56ª SESSÃO SOLENE DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA IX LEGISLATURA.

 

Em 03 de dezembro de 1986.

Presidida pelo Sr. André Forster - Presidente.

Secretariada pelo Sr. Isaac Ainhorn - 1º Secretário.

Às 16h40min, o Sr. André Forster assume a Presidência.

 

 


O SR. PRESIDENTE: Havendo número legal, declaro abertos os trabalhos da presente Sessão Solene em homenagem à atriz Maria Gentile Marchioro Della Costa, ocasião em que receberá o título honorífico de Cidadã de Porto Alegre.

Solicito aos Líderes de Bancada que conduzam ao Plenário as autoridades e personalidades convidadas. (Pausa.)

Convido a tomarem assento à Mesa: Maria Gentile Marchioro Della Costa, homenageada; Dr. Alceu Collares, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Dr. Glênio Peres, Vice-Prefeito de Porto Alegre; Sra. Eva Sopher, Presidente da Fundação Theatro São Pedro; ex-Senador Dr. Jorge Braga Pinheiro e Sra. Antonieta Barone, representando o Conselho Estadual de Cultura.

Registro a presença do Sr. Geraldo Lopes, da Opus Promoções.

Falarão o Ver. Antonio Hohlfeldt, pelas Bancadas do PT, PDS, PFL, PSB, PCB e pelo Vereador independente Jorge Goularte, o Ver. Cleom Guatimozim, pela Bancada do PDT, e a Ver.ª Gladis Mantelli, em nome da Bancada do PMDB.

Com a palavra, o Ver. Antonio Hohlfeldt, proponente da homenagem.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, demais membros da Mesa, minha querida Maria, Maria Della Costa.

Ao propor a meus pares, nesta Câmara Municipal, teu nome para a homenagem do título de Cidadã de Porto Alegre, a partir da sugestão de Geraldo Lopes, busquei dados que, além do talento e da fama, justificassem tal homenagem. Já era de muito teu espectador e admirador, desde os dias em que te vi, ainda adolescente, no palco do Teatro Leopoldina, vivendo a principal personagem na peça de Arthur Müller, “Depois da Queda”, enfocando a vida de uma atriz e mulher maravilhosa e triste, que foi Marilyn Monroe, e de cujo trabalho o crítico Décio de Almeida Prado, em extenso comentário, dizia:

“Maria Della Costa, como Maggie, é ao contrário, pura inconsciência - qualidade não intelectual e que atrai poderosamente o intelectual - ou pelo menos essa é a imagem que fabricou para si mesma, o abrigo em que se refugiou (...) Lado a lado, Paulo Autran e Maria Della Costa formam um par perfeito, acompanhando, com exemplar maleabilidade, as variações do texto”. (In Teatro em Progresso, Martins Editora. Pg. 302 e 303).

A pesquisa, Maria, já que, infelizmente, entre nós, a memória é curta e nossos traços tendem a apagar-se com muita rapidez, revelou-me, então, a menina Maria Gentile Marchioro Della Costa, cujos pais se separaram muito cedo, nascida que foi no interior gaúcho, “filha de camponeses”, como tanto gostas de lembrar, e que, oriunda de Flores da Cunha, vieste para a capital e aos dez anos de idade te tornaste empregada doméstica, cuidando de cozinha, carregando crianças pouco menores que tu - e de onde te ficou certo problema de rins - e que te causou, inclusive, uma enfermidade imediata. Internada em escola ainda na capital, enquanto tua mãe trabalhava como enfermeira, foste em busca de emprego, cortando fotografias em uma agência. Certa tarde, aos 14 anos de idade – lembras, Maria? -, saíste para passear, e o olhar do jornalista Justino Martins, então diretor da Revista do Globo, te descobriu. Foste convidada a tirar algumas fotografias. Consultada, tua mãe não viu problemas maiores, ainda que isso fosse muito perigoso para uma moça de família. O sucesso foi imediato. Pessoas se aglomeravam na vitrine da Livraria do Globo para ver tuas imagens. O que fazer?

Manequim, seguiste para o Rio de Janeiro. Idade falsificada, desfilavas e fazias “shows” no Cassino Copacabana, que alguns chamam de Atlântico. Jóias, roupas caras, cantadas, convites, tu querias ser mais do que uma cara bonita, como declaraste ao te decidires seguir para Portugal, onde permaneceste três anos, estudando arte dramática. Depois, o retorno, e a continuação do desafio.

Luíza Barreto Leite, a admirável gaúcha que escreveu “A Mulher no Teatro Brasileiro” (Edições Espetáculo, p. 108), lembrando tua primeira aparição no palco, conta:

“Em 1945, quando uma gauchinha muito jovem e loura apareceu ao lado de Bibi Ferreira, Suzana Negri, Almá Castro, Maria Isabel e outras das melhores atrizes da época, em “A Moreninha”, de Macedo, adaptada para o palco por Miroel Silveira, ninguém acreditou que um dia deixasse de ser a belíssima manequim, espécie de mariposa tonta, zanzando no palco sem saber para onde ir, nem o que dizer”.

Três anos depois, contudo, a observação melhora. Maria Della Costa integra o grupo dos “Comediantes”, que ensaiavam sua fase profissional com a peça “A Rainha Morta”, de Montherland, onde ela viveria Inês de Castro, ao lado de Margarida Rey:

“Não foi ainda desta vez que conseguiu impor sua personalidade, pois Margarida absorveu o interesse artístico e para Maria todos os louvores foram tecidos a sua beleza, surgida na plenitude, através das maravilhosas roupagens da Idade Média. Era preciso impor-se até conquistar um lugar à parte na constelação que se formava com Cacilda Becker, Margarida Rey e Olga Navarro, recém-chegada da Itália, após a guerra, e logo escolhida para criar “Desejo”, de O’Neill, o único sucesso indiscutível do grupo nessa fase profissional. Mas em “Terras do sem Fim”, de Jorge Amado, Maria começou a tomar forma como atriz” (p.109)

Para Maria Della Costa, o nascimento artístico e o nascimento vital, pessoal, foram praticamente simultâneos. Porque foi ali, nos “Comediantes”, que ela conheceu o ator Sandro Pollônio, que deixaria de ser ator para, com o desfazimento dos “Comediantes”, tornar-se seu produtor. Em Sandro, Maria encontrou o fundamento da construção de sua carreira, pois, como ele diz, “numa família não há lugar para dois atores”, e, humildemente, abriu mão de sua carreira para seguir a Maria Della Costa, que encontrava assim, em seu segundo casamento, o carinho, a compreensão, o estímulo e o apoio que tem durado cerca de 35 anos. Sandro tornou-se empresário. Com o apoio da grande atriz Itália Fausta, instala-se o casal e sua “troupe” no Teatro Fênix.

É ainda Luíza Barreto Leite quem conta: “Começou, então, uma nova era para a moça bonita que desejava mesmo tornar-se atriz. O estrelato absoluto não esmoreceu sua vontade de progredir estudando. Lembro-me de haver visto muitas atrizes trabalharem além do que se imagina possa alcançar a resistência humana. Nenhuma, porém, como Maria. Só quem ensaiou com Ziembinski uma peça difícil, sobretudo em fase ainda experimental, sabe o que isto significa. De todas as criaturas que a ele devem sua técnica atual, nenhuma a conseguiu com mais persistência, mais dedicação, maior desejo de firmar-se pela própria capacidade. Todas as grandes personagens que criou saíram de suas entranhas como se fossem filhos, tomando forma lenta e dolorosamente. Pois se a alguma atriz brasileira de primeira categoria se aplica a versão de Madame Morineau, de que talento não se improvisa, constrói-se lentamente à custa de disciplina e sacrifício, esta atriz é Maria Della Costa, uma das raríssimas a continuar à custa da própria força de vontade uma carreira sem concessões à bilheteria, pois, quando as faz, logo aproveita o dinheiro ganho com ela para uma montagem de valor. Ninguém possui em seu acervo particular, isto é, ninguém tem realizado em sua própria companhia tamanho número delas”. (p.110)

Talvez, por isso, Sandro e Maria optaram por não terem filhos. Porque filhos se tornaram, em Maria, todas as suas personagens, desde aquele longínquo 1945, até seus trabalhos mais recentes, como “Motel Paradiso”, de Juca de Oliveira, estreada em 1982, no Teatro Villa Lobos, do Rio de Janeiro, e que aqui assistimos em 1984, em excursão nacional, e sobre a qual a crítica paulista Ilda Zanotto Marinho escreveu em “O Estado de São Paulo”:

“A Lurdes de Maria Della Costa dificilmente será esquecida. No primeiro ato, capacho enquanto personalidade, e degrau enquanto personagem (no sentido de que funciona mais como catalisadora das definições alheias do que a dela própria), avulta no segundo com a volta por cima sonhada por todos os empurrados dessa vida. Maria Della Costa, cuja trajetória marcou o teatro brasileiro com realizações importantes, retorna ao palco após cinco anos com um papel à altura”.

Aliás, Maria, creio que, efetivamente, a chamada crítica especializada soube reconhecer em ti o trabalho e a dedicação, desde teus primeiros trabalhos, como aquelas produções do Teatro Popular, totalizando mais de quarenta textos que viveste, dentre os quais “Bodas de Sangue”, de Lorca, “A Pele”, de Camus, “A Prostituta Respeitosa”, de Sartre, a cujo respeito, aliás, Fernando Peixoto, em seu livro “Teatro em Pedaços” (Hucitec, p. 109), lembra, isso lá por volta de 1951, mais ou menos, ele estudante ainda, ter sido convidado por seus companheiros do Colégio Anchieta a assistir, especificamente para vaiar e apedrejar, jogando, nos atores, ovos podres em protesto pela apresentação da peça em Porto Alegre.

Mas, em geral, não tiveste motivos para te queixar também de Porto Alegre. Guilhermino César, em seu depoimento sobre o Theatro São Pedro, conta que teu retorno ao Sul ocorre em 1949, ainda no grupo dos “Comediantes”, para uma temporada que marcaria o ano teatral, e que está assim descrita:

“O fato é que, em face do público de sua terra, Della Costa excedeu-se a si própria; mostrou a seus conterrâneos espetáculos memoráveis, aproveitados sobretudo pela gente nova como incentivo ao enobrecimento da arte de representar”.

Dentre as peças mostradas então, destacam-se “Tobacco Road”, de Erskine Caldwell, “Tereza Raquin”, “Rebecca”, “Peg do meu coração” e a peça infantil “O Anel Mágico”.

Em 1957, dentre outras datas, estavas novamente no Theatro São Pedro, agora já com a Companhia Maria Della Costa, e num total de 64 récitas, batendo todos os recordes de público do ano, apresentando, dentre outras peças, “Moral em Concordata”, de Abílio Pereira de Almeida, e “O Canto da Cotovia”, de Jean Anouilh, além de “Mirandolina”, de Goldin, traduzida por Itália Fausta, e “O Manequim”, de Henrique Pongetti.

Sobre “Moral em Concordata”, Décio de Almeida Prado registraria:

“Maria Della Costa, quando entra, ainda tem qualquer coisa de estudado, de quem está procurando compor a personagem, nos gestos, na pronúncia italiana; depois que a esquece, no entanto, perdendo-se no cafajestismo simpático de Rosário, é impressionante de veracidade” (p.42), enquanto Joel Silveira registrava que Maria Della Costa, mesmo sendo a dona da Companhia, não receiou dividir seu espaço e atenção com Odete Lara, “cedendo-lhe importante papel, numa demonstração de consciência profissional e espírito de equipe”. (p. 215).

De “O Conto da Cotovia”, deve-se destacar que foi o momento em que Maria e Sandro foram buscar e trouxeram ao Brasil, retirando-o ao Piccolo Teatro de Milão, este extraordinário cenógrafo e hoje também diretor Gianni Ratto, valendo-lhe, por este trabalho, um dos maiores elogios de Décio de Almeida Prado em seu livro “Apresentação do teatro brasileiro”, de que destacamos:

“Maria estudou, submeteu-se voluntariamente, assim que pôde, à disciplina de um encenador, fazendo questão de criar uma campanhia baseada não na exaltação de sua pessoa, mas no valor do conjunto”.

Em 1953, foi a vez de “Desejo”, de Eugene O’Neill, que tantas outras vezes fora montada por Olga Navarro; em 1954, “O Canto da Cotovia”; em 1956, peças como “A Casa de Fernanda Alba”, de Lorca, “A Rosa Tatuada”, de Williams, “Moral em Concordata”, seguindo-se, em 1958, “A Alma boa de Set-suan, de Brecht, “Gimba”, de Gianfrancesco Guarnieri, que vinha do seu primeiro sucesso, que fora “Eles não usam black-tie”; “O marido vai à caça”, de Feydeau, em 1962, para chegar ao sucesso de 1964, “Depois da queda”, irônico título - ante os acontecimentos políticos que se sucederiam no País - da peça de Arthur Miller.

Após o golpe de estado, Maria Della Costa afasta-se do teatro. Para ela, com a ditadura, o teatro ficava impossível. Por outro lado, o edifício sede do Teatro Maria Della Costa, em São Paulo, na Rua Paim, 72, enfrentava sérias crises para a sobrevivência, embora lhe tivesse ocupado durante quinze anos para sua construção, levando-a a viajar incessantemente em temporadas por todo o País para arrecadar fundos. Maria e Sandro vendem o teatro e vão fixar-se em Parati, onde abrem um hotel que possuem até hoje.

Dizendo-se excelente cozinheira, especialista em doces e geléias, Maria multiplica-se em afazeres. Não se acha vaidosa. Ainda se sente ligada umbilicalmente às suas origens camponesas da colônia italiana do Rio Grande do Sul. Com mais de 40 anos de carreira teatral, uma única frustração talvez ainda leve consigo: não sabe cantar, nunca pôde participar de qualquer trabalho musical.

Afora isso, contudo, Maria Della Costa, a Maria Gentile - Maria gentil, não traiu nem seu nome e nem sua carreira. Seu amor pelo teatro nos deu esta atriz extraordinária, operária do palco como nenhuma outra. Maria - símbolo da mulher simples do povo brasileiro - por isso mesmo está um pouquinho dentro de cada um de nós. E por isso, Maria, Maria Della Costa, eu me sinto muito honrado em poder representar a Cidade de Porto Alegre na iniciativa dessa homenagem, sobretudo porque também amo o teatro. Mas, especialmente, porque acredito, como tu, que a arte não é apenas a inspiração romântica de que falam os idealistas, mas é uma dedicação transpirada, permanente, por vezes doída, mas maravilhosa, sempre.

Obrigado, Maria, gentil Maria, por teres aceito nossa homenagem. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Cleom Guatimozim.

 

O SR. CLEOM GUATIMOZIM: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, Srs. membros da Mesa, querida Maria Della Costa, o Ver. Antonio Hohlfeldt, como “expert” em teatro, traçou aqui um perfil e comentários a respeito da atuação da nossa homenageada de hoje. Disse, também, que foi aprovado esse título por unanimidade da Casa. Dispensável seria dizer que o partido que representamos aqui votou unanimemente este título. Mas nós verificamos, também, que Maria Della Costa é gaúcha e lembrávamos que o reconhecimento do seu nome para receber o título em Porto Alegre deve-se às suas qualidades de atriz e àquele elo maravilhoso que tem o gaúcho de não esquecer os seus valores. Nesse Rio Grande, Maria, quando surgiram as primeiras tropas, bem antes dos imigrantes, quando surgiu esse tipo étnico que foi chamado de gaúcho, que viajava a cavalo, enfrentando as intempéries, dormindo nos galpões, sendo bem recebido e recebendo bem, nasceram ali os primeiros motivos e qualidades de carinho do gaúcho para com os demais. E esse carinho do gaúcho foi passando através dos tempos e chegou até nós. Está em nós, os gaúchos, o carinho que temos para com as pessoas. Como o Ver. Antonio Hohlfeldt falou, exatamente, sobre o teatro, eu falo do carinho. Eu falo das qualidades da atriz, dizendo que esse carinho, Maria, com que os gaúchos te recebem hoje, aqui, nasceu exatamente naqueles primórdios, nasceu, exatamente, naquelas lutas de campo. O gaúcho viajando livre, sem cercas, daí nascendo, então, esse espírito de liberdade que o gaúcho tem e parece que numa proporção maior, até, do que os habitantes de muitos Estados da nossa federação. Nós vivemos dando o nosso carinho às pessoas que nos são caras, reconhecendo as suas qualidades, como estamos fazendo hoje com a Maria, que merece, que tem todos os méritos e que tem todo o nosso carinho. Porque nós habitamos, felizmente, uma terra santa, que é este Rio Grande, este torrão maravilhoso que é o Rio Grande do Sul, onde, Maria, até a semente que se atira ao acaso germina. Ela dá flores, ela dá frutos, ela dá sombra e ela passa, então, a abanar ao vento e até a cantar baixo num coro que apóia o canto do vento Minuano, que sopra aqui, no Rio Grande, com este nosso carinho nas coxilhas, na porta do galpão do gaúcho que chimarreia, na janela da chinoca bonita que dorme com bata de renda, em colchão de palha. Até como se fosse um novo Romeu a inspirar estas canções maravilhosas, a criar estes artistas que o Rio Grande tem, como Maria Della Costa! E o gaúcho canta do Norte ao Sul estas canções maravilhosas. Leva para o resto do Brasil e do mundo artistas como Maria Della Costa, porque existem terras, Maria, que não têm esta mesma felicidade que nós temos, onde o mar se revolta, invadindo a terra, pondo o homem em fuga, onde o sol derrama o braseiro das suas fornalhas sobre a terra. E nada brota, e nada se pode dar, e nada se pode fazer. Então, nós nos orgulhamos de ti. O título apresentado pelo Ver. Antonio Hohlfeldt, Líder do PT, é o carinho de todos nós. Eu não sei há quanto tempo não vinhas ao Rio Grande, mas, se o vento Minuano soprar no teu rosto, isto é o carinho dos gaúchos que te acenam, somos nós todos, que representamos o povo do Rio Grande, que vimos te saudar, que vimos reconhecer em ti os nossos valores do Rio Grande, que, como já disse, outras terras não têm. Em nome do PDT, Maria, o nosso carinho e o nosso reconhecimento à tua arte. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, a Ver.ª Gladis Mantelli.

 

A SRA. GLADIS MANTELLI: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, Srs. membros da Mesa, Sra. homenageada, é com grande satisfação que, em nome da Bancada do PMDB, tenho a oportunidade de associar-me às homenagens que esta Casa está prestando hoje a esta ilustre gaúcha.

Nossa homenageada de hoje, em sua trajetória, conseguiu projetar nacional e internacionalmente não só o seu nome, mas, acima de tudo, o teatro brasileiro. Isto se deve às características que sempre imprimiu ao seu trabalho: seriedade, profissionalismo e pioneirismo. Conforme suas próprias palavras, “em sua vida, nada aconteceu por acaso”, nada veio para ela sem que tivesse lutado muito para conseguir.

Como mulher, Maria Della Costa enfrentou toda série de obstáculos. Numa época em que só o homem alcançava posições de destaque, ela abriu caminhos com seu talento e sua vontade firme. Difundiu o teatro brasileiro, levando nossa arte pelo País inteiro, promovendo a vinda de grandes diretores estrangeiros que muito contribuíram para o seu desenvolvimento.

Foi a primeira empresária a levar textos brasileiros a Paris e a lançar, entre nós, autores como Sartre, Brecht e Arthur Müller.

Quebrou o tabu do Teatro Municipal de São Paulo, apresentando espetáculos populares e cobrando ingresso a preços acessíveis ao grande público.

Para Maria Della Costa o teatro é a arte de maior contato com o público, tendo, a cada apresentação, uma platéia diferente e, portanto, uma emoção também diferente. É nesses contatos diretos que ela retoma toda energia e se revigora para continuar a caminhada.

Quando ela pisou no palco pela primeira vez, era apenas uma jovem bonita a quem Bibi Ferreira tinha oferecido uma oportunidade para trabalhar em “A Moreninha”. Hoje, ela continua a mesma mulher bonita, mas, também, uma artista consagrada. Sinto não ter tido a honra que teve o nosso Vice-Prefeito, honra de, quando fez teatro, ter trabalhado contigo. Também fiz, em meus tempos de moça, teatro. Não tive a honra nem a satisfação de trabalhar com Maria Della Costa. A vida segue rumos distintos. Cada um de nós tem a sua para levar, e a leva como pode. Tu, Maria Della Costa, fizeste isso. Tu, como mulher. E aqui também falo como mulher. Sei o quanto é difícil conquistar-se um espaço que precisamos, a cada pedaço da nossa vida, conquistar e manter o que já foi conquistado. Tu és uma das mulheres deste País que alcançou o sucesso. És uma dessas mulheres que conseguiu consagrar o seu nome. Não porque era uma mulher bonita, que ainda o és, mas porque és uma mulher de garra, que acreditava no seu trabalho. E por isso foste avante. A Bancada do PMDB, que me designou para te homenagear, com isso me favoreceu e me prestigiou, porque tenho a oportunidade de, aqui, falar do ponto de vista que os oradores que me antecederam não falaram. O Ver. Antonio Hohlfeldt, como já disse também o Ver. Cleom Guatimozim, fez um longo estudo da tua vida, o que foram as peças que tu apresentaste, toda a tua carreira, toda a tua trajetória. Então, enfocou Maria Della Costa como atriz, como alguém vinculado essencialmente ao teatro. O Ver. Cleom Guatimozim fez referências às tuas raízes gaúchas, como mulher gaúcha que tu és, a tua garra, todo o sentimento que o gaúcho leva dentro de si. E eu procuro falar de ti como mulher, pura e simplesmente mulher, que é algo que nós jamais podemos deixar de nos sentir: mulheres importantes. Somos uma maioria silenciosa neste País, mas somos pessoas que sabemos o que queremos e, quando sabemos, realmente, atingimos os nossos objetivos. Tu atingiste os teus, nós estamos atingindo os nossos.

Hoje, no teu refúgio em Parati, cercada de águas límpidas e maravilhosas, em contato direto com a natureza e os moradores da região, tu te sentes em verdadeira liberdade.

Maria Della Costa deixou de ser apenas uma mulher para o seu próprio teatro e, por isso, merecidamente, prestamos esta homenagem, porque tu representas a cultura e a arte no nosso País. Muito obrigada.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Convido a todos, para que, de pé, participem da entrega, pelas mãos do Sr. Prefeito Municipal, do título de Cidadã de Porto Alegre.

 

(O Sr. Prefeito lê o diploma e faz a entrega.) (Palmas.)

 

Convido o Ver. Antonio Hohlfeldt, proponente desta Sessão, para que faça a entrega à nossa homenageada da Medalha de Porto Alegre.

 

(O Ver. Antonio Hohlfeldt faz a entrega.) (Palmas.)

 

Convido a Sra. Eva Sopher, da Fundação Theatro São Pedro, para que, em nome do Legislativo de Porto Alegre, passe às mãos de Maria Della Costa um “bouquet” de flores.

 

(A Sra. Eva Sopher faz a entrega.) (Palmas.)

 

Convido o Sr. Vice-Prefeito de Porto Alegre, Glênio Peres, para que, em seu nome pessoal, entregue a Maria Della Costa, em homenagem, um “bouquet” de flores.

 

(O Sr. Vice-Prefeito faz a entrega.) (Palmas.)

 

Com a palavra, a Cidadã de Porto Alegre Maria Della Costa.

 

A SRA. MARIA DELLA COSTA: Ilmo. Sr. Prefeito, Ilmo. Sr. Presidente desta Casa, demais autoridades e convidados, Senhores e Senhoras, eu só me lembro de uma vez ter falado num microfone que nem este. Foi na União Soviética, no tempo de Kruschov, bem pertinho dele até. Então, esta é a segunda vez que eu me sinto assim, e estou tremendamente emocionada. Nós, artistas, para fazermos uma personagem, estudamos durante um mês, pesquisamos, procuramos, vamos dividindo as emoções. Mas aqui, hoje, é uma emoção completamente diferente de todas as outras em toda a minha vida. Durante toda a minha vida artística, eu recebi muitos prêmios, centenas deles. Mas o título que recebo hoje me tocou mais, pois é uma lembrança da minha gente, que não me esqueceu. O Rio Grande do Sul não me esqueceu. E é difícil a terra da gente não se esquecer da gente. Então, eu estou muito emocionada. Onde eu estou, eu promovo o Rio Grande do Sul. Eu sou bairrista. Eu tenho amor por vocês. Gosto desta força, desta dignidade, deste amor por sua gente. E como disse a nossa oradora, aqui, que uma mulher é uma mulher livre, eu quero dizer a vocês que eu sempre fui livre. Eu nasci sozinha. Eu nasci sem parteira, pois naquela época tinha parteira. A minha mãe estava na roça e começou a sentir as dores. Assim, eu nasci ali no capim, praticamente. Então, eu sempre digo que eu até nasci sozinha. Eu me fiz sozinha. Evidentemente, eu tive ajuda de muitas pessoas. Poderia ter-me prostituído na vida, porque fui uma mulher muito bonita. Trabalhei em cassinos, trabalhei no tempo do dólar e nunca me prostituí. Casei virgem, casei pura, casei com véu de noiva, coisa que toda moça admira e gosta: casar vestida de noiva. E lutei por essa vida afora sem me prostituir, subindo degrau por degrau, mas sempre lembrando a minha terra. O pessoal me diz: “Por que você não faz novelas, Maria, você é uma mulher tão bonita?” Eu não faço novelas porque acho um desaforo eles me convidarem sempre para fazer a mulher bonita, sentada num sofá, bebendo uísque e fumando, coisa que não faço, pois sou mulher do povo. Vocês estão-me vendo assim, com o cabelo loiro, arrumada, mas, quando faço as minhas personagens terra-a-terra, cabelo escuro, pés no chão, no teatro, sou a mulher do povo. Por isso é que não faço novela, faço teatro, porque sou garra, sou força, sou amor, sou gente, e isso é importante, sem prostituição. E em toda essa minha vida de 40 anos só conheci dois homens: o meu primeiro marido, Fernando de Barros, e o segundo homem, o Sandro Pollônio, meu companheiro, com o qual quero dividir este prêmio hoje. Ele não está aqui porque sofreu uma disritmia, uma parada cardíaca, mas deixei-o lá, em São Paulo, e vim receber meu prêmio.

Então, quero agradecer a todos vocês, Vereadores, ao Prefeito, a todos os presentes, pois vim com todo o amor, mas quero voltar, para estar nos braços do meu marido. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Ao encerramos esta Sessão Solene, nós manifestamos a profunda satisfação do Legislativo Municipal de Porto Alegre que, em nome da Cidade de Porto Alegre, pôde prestar esta justa e honrosa homenagem a Maria Della Costa. Agradeço ao Sr. Prefeito Municipal, ao Vice-Prefeito, às autoridades que compõem a Mesa, aos convidados, pela sua presença.

Nada mais havendo a tratar, declaro encerrados os trabalhos e convoco os Srs. Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental.

Estão levantados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 17h30min.)

 

Sala das Sessões do Palácio Aloísio Filho, 3 de dezembro de 1986.

 

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